Terça-feira, 2 de Outubro de 2007

Entre dentadas e olhadelas.

Há cerca de uma semana decidi almoçar, como já vem sendo um hábito no meu dia-a-dia, num Centro Comercial da Capital Algarvia. Relativamente à semana anterior notei um considerável aumento do movimento. Na minha distracção habitual não percebi, à primeira, o porquê de tanta gente. Devia ser da fome. Após ter carregado o meu repasto e me ter sentado confortavelmente numa mesa com boa vista para toda a zona de restauração comecei a observar com mais atenção o que se passava à minha volta. Numa das esquinas comecei a ver desfilarem um sem número de jovens que, envergando um imaculado traje académico, riam e falavam alto. Comecei a perceber o porquê do aumento repentino no movimento citadino: o inicio de mais um ano lectivo na Universidade do Algarve. Os trajados estudantes faziam tal algazarra que puseram os esfomeados comensais da praça da restauração todos em sentido a dar-lhe atenção. As poucas excepções foram aqueles que por felicidade não haviam esquecido o MP3 ou outro MP qualquer em casa. Entre dentadas e olhadelas continuei a prestar alguma atenção aos jovens universitários a rigor trajados. Subitamente o desfile de trajes azuis, camisa branca e chapéus à Infante D. Henrique, que caracterizam o traje académico da Universidade do Algarve, parou. Senti que tinha mudado de dimensão ou simplesmente que o calendário tinha dado um salto em frente, de tal forma gigantesco que o Inverno, que ainda não começou, estava quase a dar lugar à Primavera do ano seguinte, lá para épocas de Carnaval para ser mais preciso. Atrás dos imaculados académicos, que palravam incessantemente, seguia em bando, um andrajoso grupo de caloiros. Olhos postos no chão, sinal revelador do incómodo em que a embaraçosa situação os coloca. Chegou o Carnaval, voltei a pensar, e mesmo fora de tempo. Os rapazes trajados de saia florida e folhada, blusas berrantes e decotadas, desprovidos da sua própria roupa, raparigas com toda a indumentária voltada do avesso. Todos devidamente tingidos com as mais diversas pinturas provenientes de uma qualquer loja dos chineses. Aqueles que, fruto da idade, têm a cara cheia de erupções cutâneas denotam um terrível acentuar da irritabilidade da pele. Cabelos empastados com farinha e tinturas diversas e o terrível aroma a uma qualquer poção (quase) mágica que, com afinco, os doutos estudantes mais antigos na Universidade preparam. Ao pescoço todos envergam uma bem preparada placa de identificação que diz, simplesmente, BESTA – nome que na Universidade do Algarve é dado aos caloiros. À voz de comando da Velha Guarda – alunos mais velhos a quem assiste o poder de praxar – entoam cânticos ridículos, obscenos e culturalmente pobres. Alguns elementos da Velha Guarda gritam a plenos pulmões: “mais alto BESTAS”, não vá algum comensal mais distraído não reparar no desfile carnavalesco que, tristemente, samba pelos corredores do Centro Comercial. Alguns veteranos gritam com tal afinco para obrigar os caloiros a cantar mais alto que acabam, eles próprios, por ficar roucos – uma perfeita BESTiAlidade.

Dir-me-ão que as praxes são um momento marcante na vida do Estudante Universitário e que a sua finalidade é integrar os novos alunos na vida académica. Não me convencem! Se ser integrado significa ser humilhado, ainda que por um breve momento, um escasso instante ou um ténue segundo, não pode nunca ser compatível com integração.

Não me assumo como membro de um qualquer movimento anti-praxe académica, nem tampouco o faço a título individual. Recordo, sem grande exaltação é certo, mas com um certo apreço os meus dias de caloiro na academia de Lisboa. Tive sorte! O grupo responsável pela minha praxe não tinha qualquer tipo de pérfido recalcamento ou malévola intenção de humilhar, gratuitamente, todo e qualquer um que se atravessasse no seu caminho. Criaram-nos à sua imagem e semelhança diria eu, de tal forma que no ano seguinte, quando chegou a nossa vez de dar as boas vindas aos novos estudantes, ninguém sentiu vontade de humilhar os demais. Se algum de nós se deixava contagiar pela euforia da brincadeira havia sempre uma voz ao lado que nos chamava à razão. Quando, pelo contrário, se abusa de uma suposta autoridade atribuída pelo simples facto de se possuir um maior número de matrículas no ensino superior do que os demais, perpetua-se no tempo a vontade de vingança, que vai agravando, a cada ano que passa, as dissimuladas torturas que se vão infligindo aos recém chegados e que tornam num calvário os primeiros momentos passados no Éden universitário.

Haja bom senso…   

2.jpg           

tags:

publicado por corrosivojr às 09:46
link do post | comentar | ver comentários (1) | favorito

.mais sobre mim


. ver perfil

. seguir perfil

. 1 seguidor

.pesquisar

 

.Setembro 2008

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5
6

7
8
9
10
11
12
13

14
15
16
17
18
19
20

21
22
23
24
25
26
27

28
29
30


.Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

.posts recentes

. Entre dentadas e olhadela...

.arquivos

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Maio 2008

. Janeiro 2008

. Dezembro 2007

. Novembro 2007

. Outubro 2007

. Setembro 2007

.tags

. anna netrebko;

. aula magna

. becky taylor

. brad kane;

. caruso; música; ópera

. celine dion; i surrender;

. christina aguilera

. damien rice;

. declan galbraith

. desporto;

. desporto; patinagem;

. diamanda galás

. divas;

. educação;

. educação; ministra da educação; visitas

. educação; visitas de estudo;

. erasure;

. eros ramazzotti;

. fernando pessoa;

. jorge de sena; antínoo;

. josh groban;

. língua; português;

. música;

. música; pablo neruda;

. nouvelle vague

. ópera;

. pablo neruda;

. pavarotti;

. poesia; khalil gibran; amizade

. poesia; nazim hikmet

. praxe;

. ramin karimloo; lea salonga; musicais; d

. the cinematic orchestra

. whitney houston;

. todas as tags

SAPO Blogs

.subscrever feeds